terça-feira, 23 de agosto de 2011

Meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder


Se partires, não me abraces – a falésia que se encosta
uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
e sonha com viagens na pele salgada das ondas.

Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão
das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces –

o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno
nos dias sem ninguém – longe de ti, o corpo não faz
senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta
as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto
espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.
Se me abraçares, não partas.
Maria do Rosário Pedreira

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Inteira

Eu me recuso a amputar meus sentimentos.
Eu nasci para sentir com todos os meus membros.

(Marla de Queiroz) 

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

viagem

Falámos do sorrir do rir e da gargalhada. Falámos de como os olhos sorriem e de não conseguir chorar. Falámos de chorar, de chorar muito, de não conseguir parar de chorar. Falámos de conseguir falar e de não conseguir falar. Falámos de não conseguir dizer o que os olhos dizem, de não conseguir, de querer e não pronunciar. Falámos de querer calar e não conseguir quando as palavras se soltam em cascata. Falámos da pele e do toque que diz tudo sobre o que o coração sente. Falámos do coração que de tão grande salta da boca e falámos das noites passadas a ver as estrelas e o mar. Falámos das noites não dormidas, das noites em que os corpos se unem e os braços e as pernas se colam e os peitos se confundem e o suor se desalinha. Falámos dos gemidos que se gravam na nossa memória e das tatuagens que ficam para quando só restar um rosto tremido em frente a um espelho. Falámos do desejo e da vontade louca de parar o momento. Aquele momento. Falámos dos caminhos que se cruzam e dos caminhos que se deixam de caminhar. 

E parámos de falar. 

Vertemos lágrimas que se desenharam nas veias dos braços. Lágrimas que nos disseram que também somos felizes quando choramos muito. E chorámos muito e rimos ao mesmo tempo. Percebemos que não conseguimos estar muito tempo a respirar outro ar que não o nosso. Respirámos o nosso ar e faltou-nos o ar. 

Faltou o ar. 

E voltámos a falar. Gritámos até. Falámos de todos os frutos, das árvores e dos seus longos braços e das estradas por caiar. Falámos das paredes que fotografámos e do que está escrito nelas. Falámos de asas. Falámos de voar. E voámos. 

Falámos de amor.

in «Penitências de um Ser no Anonimato» de «Francisco»

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Será?

Será que ainda ficas oca, certos dias, por te teres esvaziado de mim?

Tu tão parecida com o vento que rodopia nas almas
para se entalar nas frestas da angustia, na luz da escuridão,
nos passos imóveis que nunca se dá porque seriam fatalmente motores
Tu que me embalas e me arrastas e em dias de sorte me fazes chorar
como se chorar fosse a última hipótese de te ter ao meu lado em cada lágrima
como se cada lágrima fosse um barco possível para regressar a ti
para te chamar ao meu corpo como as sirenes dos navios acordam
em estertor em dias de nevoeiro os portos perigosos das paixões
Tu que pouco sabes de ti e que de mim te apartas como se não fosses tu
como se houvesse viagens com retorno, como se fosse possível
terminar e determinar aquilo que é infinito porque não morreu
.

(...)

Será que entendes o enigma que sem saberes sou eu para ti?
Será que alguma vez leste na minha pele toda a evidência
ao ponto de te embriagares de quebrares muros resistências
análises trancas algemas receios talvez inúteis de brisas talvez fecundas?

Tu que te estatelas agora no céu de cada noite deserta
será que algum dia tornarás a ler o céu no chão?
Será que em alguma papelaria escondida na cidade
encontrarei um dia um mapa para te ler sem te sufocar?

Tu que me tropeças cada passo, será que tens ainda em ti
o único pulmão que já me fez respirar?


Vivo apenas uma praia oca. Nem areia tem.
A primeira duna é árida e semelhante à última.
Nada sei de mim. Mas sei quem tu és.
És a única pergunta que não formulei.
Será que ao menos sabes que eu não sei?

[Manuel Cintra]

O MEDO

Posso me apaixonar por você? Ou será que daqui a um ano você vai ser acometido por uma vontade incontrolável de ir para a Índia sozinho?  Posso me apaixonar por você? Ou será que você vai me contar, de um jeito cortante, que não teria filhos comigo? Ou, pior, que na verdade não vai mais se separar pra ficar comigo… Quebrar a cara faz parte, mas depois de um tempo… dá uma preguiça. Dá vontade de antever os pormenores, acelerar a história um tempinho, só pra saber (assim, de leve, como quem não quer nada) se vale a pena regar aquele friozinho na barriga que começa a brotar ali. Depois de alguns calos adquiridos se jogando na vida (sem medo), o medo começa a fazer parte. Tão inevitável como as rugas e os fios brancos. Mandou flores? Disse que ama? Xiiiiii… A voz da sua avó se faz presente: “Quando a esmola é demais, o santo desconfia”. E você começa a pensar que algo de podre deve, em breve, aparecer. Ou, pior, desaparecer. Como aquele ser doce que faz um sexo de arrepiar a espinha, manda flores e adora a ideia de ir junto com você para o Peru, mas, inexplicavelmente, vai dar um rolê ali em Springfield e… nunca mais volta, nunca mais responde uma mensagem ou passa para buscar o iPod que ficou no criado mudo do lado de lá da cama. Medo.
Alguém avisa para a turma da família Homer Simpson que mensagens foram feitas para serem respondidas, verdades foram feitas para serem ditas e juras (puts), juras foram feitas para serem cumpridas? Todo e qualquer sujeito que desrespeite essas regras deve saber que está, consciente ou inconscientemente, matando uma mulher por aí. Ou, no mínimo, prejudicando um futuro amor que poderia ser lindo, poderia ser inteiro, mas não virou porque a moça amedrontada colocou o rapaz na categoria Homer e chutou ele para Springfield sem perceber que ele não era dali.
Lia Bock, em O medo.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

As borboletas

Photobucket
Disse a flor para o pequeno príncipe: é preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas.
Antoine de Saint-Exupéry

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Assim assim

Sobre as pessoas e a vida.

 
Ao sentir saudades do que ainda não conheceu, ela se deu conta de quão vago anda o mundo, as pessoas andam mascaradas, umas com medo da verdade, outras por desvaneios que a vida lhe causou, mas ambas sentem uma inexplicavel vontade de serem elas mesmas, descobriu também que não é muito dificil saber que não se existe metade da laranja, e sim uma afinidade e alegria mútua por encontrar pessoas que pensam de uma forma complexa, e sem opiniões formadas, ao tentar desvendar um pouco do enigma que a tormentava, colocou a xícara de café na varanda, esticou-se na rede e abriu um livro que dava continuidade a leitura da noite anterior, e ficou ali por alguns minutos pensando se vale a pena ser mascarada em um baile de fantasias que é a vida, ou não por mascara nenhuma e seguir em frente em sua festa particular ... Apenas o luar, uma rede e uma xícara de café ...


[Monize Veríssimo]