quinta-feira, 19 de novembro de 2009

No fio da navalha


E um dia quando eu dormisse
No fio da navalha afiada do teu corpo
Queria render-me sem medo de descansar
Escorre-me sobre o peito a gota de suor duvidosa
Entre as curvas sinuosas de meus seios
Sem saber ao certo até onde pode ser levada

E um dia quando eu dormisse
No fio da navalha afiada do teu corpo
Pudera eu não ter receio de fechar os olhos
Pensando que podes fugir ao meio da noite
Vai que eu sinta frio durante a madrugada
E terei que inventar fogueiras no quarto.

E um dia quando eu dormisse
No fio da navalha afiada do teu corpo
Que minha fragilidade seja mais forte, mais firme
E que se não se desfaça diante da tua rigidez
O amor anda tão próximo do silêncio
Que eu te pediria para fazer silêncio comigo

(Um dia em que dormisse no fio da navalha,
Um dia eu amanhecesse sob o peso de teu corpo)

( Cáh Morandi )

Como me tornei louca

Perguntaram-me como me tornei uma louca. Aconteceu assim:
Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas- as sete máscaras que tinha confeccionado e usado em sete vidas- e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente, gritando: "Ladrões, malditos ladrões!"
Todos ao redor riam de mim, e alguns correram para longe, com medo de mim.
E quando cheguei à praça, uma menina de longos cabelos vermelhos, trepada num ipê rosa gritou: "ela é uma louca!"
Olhei para cima, para vê-la; o sol beijou pela primeira vez minha face nua. Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais minhas máscaras. E, como num transe, gritei: "Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras"
Assim me tornei uma louca.
E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura. A liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que diz nos compreender escraviza alguma coisa em nós.