segunda-feira, 4 de julho de 2016

refém



Com dias programados, se desprogramou de grandes 

expectativas. Não atendia aos telefonemas do inesperado. 

Se tornou estrada com placas demarcando limites. Quando 

sentimentos desavisados resolviam fazer "canturia" nas 

janelas do seu coração, de imediato passava a tranca 

no sótão dos sonhos e dormia embalada pelo silêncio da 

noite. Mesmo com todo esse cuidado, em um piscar de 

olhos foi sequestrada por um sorriso, sua armadura 

queimada por palavras docemente firmes. Bastou um 

pequeno gesto e todos os muros, toda a segurança havia 

caído. Se tornou uma sem teto, com pés descalços, sorriso 

fácil, refém nos braços da poesia.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Essência, minha melhor parte

sabe quando a gente descasca a tinta de uma parede descobrindo as cores que estavam por baixo, e se persiste no esforço consegue, finalmente, deixar aparente o tijolo, a origem, a parede como ela nasceu para o mundo, sua verdade por trás das cores que lhe foram forçadas por cima? eu me sinto por ora neste esforço contínuo e paciente, diário: raspar as camadas (muitas) de tintas que me pintaram por cima ao longo dos anos, no correr dos dias, desde quando não consigo me lembrar. libertar-me de tudo aquilo que me puseram nas costas sem ser meu de fato, sem que me pertencesse de modo profundo, verdadeiro, visceral. livrar-me das roupas que me vestiram sem que me coubessem perfeito, recusar-me às máscaras que quase me pegaram à carne. despir-me de todas as palavras, qualidades, defeitos, possibilidades e limitações que me penduraram ao pescoço, como longos colares de contas que me pesam há anos e cada vez mais, causando-me dores crônicas nas costas, nos ossos, na alma. arranquei-os, num gesto largo e definitivo. arrebentaram-se ao vento e cá estou, de peito descoberto, exposto ao vento, ao sol, à chuva e às lágrimas. e ao amor também, do mais profundo que existe: aquele que nasce de mim, em mim, para mim. aquele que carrega consigo aquilo que eu sou, de fato, sem fazeres de conta. estou nua, diante do espelho. assusto-me, mas a um só tempo sorrio, enquanto se me enchem os olhos. tudo ao mesmo tempo agora. esta nudez que me liberta, que me entrega a mim mesma. e se persisto, chegarei ao tijolo. à semente. à essência. àquilo que nasci já sendo, desavisadamente e sem explicação. aquilo que me forma, define e orienta. meu nome próprio. eu. estou muito perto de alcançar meus tijolos – e que bonito é isso.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Pausas Necessárias


Chega um tempo em que não sentimos mais nada e respirar torna-se um ato de bravura. O corpo pesa, a alma pesa, e de tanto pesar, a mente sequer parece nos pertencer.  A inércia nos ampara e o medo alicia os nossos pensamentos diários. A tensão retém os nossos movimentos mais simples a ponto de fazer doer cada passo dado na direção da vida. Chega um tempo que não dá para ser nada além do nada que estabelecemos quando negligenciamos a nossa própria vida. Um tempo em que não existe o certo e o errado, mas, apenas a confusão de sentido que nos desorienta. Em que há mais desilusão do que sonho, mais tristeza do que alegria, mais ausência do que companhia.  A ansiedade engole as nossas defesas e toma conta da nossa fala, do nosso corpo, da nossa alma. Um momento em que não há mais tempo enquanto a vida segue e avança. E aí, nos vemos perdidos dentro da nossa própria casa. Dentro das nossas próprias escolhas e das relações que estabelecemos. É como se nada mais fizesse sentido e as coisas que compomos e organizamos deixassem de fazer parte de nós. É quando tudo se desencaixa e nós nos desapropriamos do nosso próprio mundo. E é nesse tempo de nada que devemos buscar o momento da reflexão. E dar um tempo, literalmente. Deixando de lado tudo o que não verte sentimento algum, para buscar as simbologias contidas em cada elemento que guardamos dentro do nosso mundo particular. Um tempo para compreender nossas próprias fragilidades. Para dissolver o cansaço causado pelas milhões de tensões cotidianas. É preciso dar um tempo para refrear nossos impulsos; retomar o fôlego, reescrever o nosso diário pessoal; avaliar antigos conceitos; formular novas perguntas e buscar novas respostas.
É preciso parar porque tudo no mundo precisa parar um dia. Todos nós precisamos. Sejam paradas curtas ou longas, para recomeçar ou para deixar de ser, não importa. Tudo precisa parar um dia. Um amor, às vezes, precisa deixar de ser amor um pouco, para que possa continuar sendo no momento seguinte. Insistir, prosseguir quando há cansaço demais é como andar num carrossel – nunca para frente, apenas em círculos. Então, é preciso deixar o amor algum tempo adormecido e só observá-lo, estar atento aos seus traços e porquês. Estar atento às suas necessidades, mesmo quando ele as silencia. Só o silêncio da pausa nos faz perceber o que são as coisas e como elas funcionam verdadeiramente. Observar o amor em silêncio é um jeito de prece. Uma forma de entender aquilo que se tem e se sente, com tempo suficiente para perdoar ou para esquecer. Isso é respeitar o amor, a sua força e a sua fragilidade.
A correria dos dias nos faz perder tantos detalhes que, sem querer, deixamos de nos importar com eles. É como se eles não fizessem mais parte de nós a ponto de não virar nem lembrança. Mas um dia, uma montanha desses detalhes se transforma num sentimento gigante, pesado e quase palpável, e vira um vazio que se transforma em cansaço. Ele, por sua vez, causa desistências em série, e todas as coisas perdem sentido, perdem o seu valor. Parar para respirar e retomar o fôlego é dar tempo para que esses detalhes existam; e ainda que você nem tenha os visto passar, receber uma nova chance para percebê-los e experimentá-los. Pois a simplicidade da vida mora nos detalhes que muitas vezes negligenciamos.
Os dias apressados nos engolem inteiros e sem aviso prévio. E, às vezes, não há como correr. E de tão acostumados a isso, talvez deixemos de perceber algum ponto essencial ou alguma  necessidade real que por não ter tido tempo de ser pronunciada, não foi notada e nem sentida. Coisas que só a distância e o silêncio explicam, ensinam e deixam florescer. Coisas que apenas as pausas e os silêncios resolvem e formalizam em nós.
Parar é dar a permissão para que outras coisas passem por nós, enxugando os excessos e lavando os costumes impregnados em nossa carne. Em nosso jeito de olhar. Em nossa fala sempre viciada. Em nossas palavras sempre decoradas e pronunciadas de forma solene e impensada.  A pausa é necessária para sentirmos o que a pressa não nos permite. Deixar doer em silêncio, de uma só vez, aquilo que dói em doses homeopáticas diariamente. Deixar que a pausa do tempo ajuste os afetos dentro de nós. Deixar que os sentimentos se traduzam, ainda que sejam impronunciáveis. Deixar que a vida se encaixe nos nossos sonhos.
É preciso parar e romper com algumas imposições cotidianas para reconfigurar a própria vida. Porque, infelizmente, carregamos ingenuamente a ideia de que é necessário matar um leão por dia para manter o ritmo e satisfazer falsas necessidades, sem compreender de fato o que é prioridade. A prioridade é viver, mas não viver por viver, arrastando os dias. Viver, experimentando detalhes. Viver ouvindo os ruídos dos sentimentos mais impronunciáveis. Viver percebendo a vida, sem atribuir desculpas para as nossas ausências; sem buscar culpados para nossas falhas. Viver, sem se perder no tempo, mas preocupando-se  com o tempo de ser gente. Gente que é livre, que sonha, chora, sofre, pesa, dói e que precisa parar de vez em quando. Já que, embora quase nunca a gente se lembre, não somos como um mar que arrebenta incansavelmente as suas ondas nas rochas, sem o direito ou a escolha de desistir. Porque tal qual Mário Quintana acreditava que a maior dor do vento era não ser colorido, talvez, a maior tristeza do mar seja nunca poder parar para descansar.

 Erica Gaião e Camila Heloíse

quarta-feira, 23 de março de 2016

Ponto de Loucura

Há um instante em que, para ele,
Todo o esforço para se adaptar à sociedade,
Para seguir regras e realizar rituais,
Para falar em um tom de voz adequado,
Escorre pelo ralo.

Há um momento em que, para ela,
Ser politicamente correta, ]
Cuidar com as consequências,
Evitar os abismos,
Deixa de fazer sentido.

Há um ponto nele
Que vezououtra ele ativa,
Que o faz confundir o chão com o teto
E desperta nele um impulso a se afastar para não perder o contorno do seu corpo
Sem que ele mesmo saiba por que se afasta.

Há um ponto nela
Que vezenquando ele toca,
Que faz do seu avesso o lado
Em que ela se reconhece no espelho
Sem que ela mesma saiba que está do avesso.

Há um tipo de fio invisível, que não está no iCloud, na nuvem e nem no dropbox
que os conecta
Quando esse fio é puxado, ativa-se uma região primitiva nele e nela,
Que não é ele mesmo, que não é ela mesma,
Mas que ao mesmo tempo é mais ele mesmo e é mais ela mesma,
Do que ele mesmo e ela mesma.

Há um ponto de loucura no ser humano
Que é intolerante à realidade,
Que se recura à adaptação, não importa se dura dez minutos ou cinco décadas,
Uma insanidade que é socialmente aceita
E que atende pelo nome de amor.

(Ana Suy)

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

te amo, não te amo

Eu te amo, mas quero viver sozinha
eu não te amo, mas preciso dormir com alguém
eu te amo, mas sonho em ter outros homens
eu não te amo, mas quero ter um filho
eu te amo, mas não posso prometer nada
eu não te amo, mas prefiro jantar acompanhada
eu te amo, mas preciso fazer uma viagem
eu não te amo, mas me cobram uma companhia
eu te amo, mas não sei amar
eu não te amo, mas queria.
(Martha Medeiros)