segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Deve existir algo estranhamente sagrado no sal: está em nossas lágrimas e no mar...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

gênio

"Malandra é a mulher do Saci. Se levar um pé na bunda, quem cai é ele."

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Alerta!

Arte de Maíra Espíndola

vida sem paixão

O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia.

domingo, 21 de novembro de 2010

Pq me sinto Clarice

"Eu sou um ser totalmente passional. Sou movida pela emoção, pela paixão...tenho meus desatinos...Detesto coisas mais ou menos...Não sei conviver com pessoas mais ou menos...Não sei amar mais ou menos...Não me entrego de forma mais ou menos...Se você procura alguém coerente, sensata,politicamente correta, racional,cheia de moralismo... ESQUEÇA-ME!"

Sem assunto

O mar é como uma melodia interminável
E isso conforta com a sua vastidão tão pura
Vem em todos os cantos do meu corpo
Sorri e aquece
E descasca-me com a areia
Quem me dera poder converter em ondas
E tornar-me o mar
Então eu poderia te limpar, limpa-la.

Momentos estão roçando no meu joelho
Eu luto com os pensamentos de medo
Medo da solidão que conheço
Estou sozinho como o mar
Porque a dor que faz em mim
Gostaria de poder converter a você
E você para o mar
Então você poderia me limpar, limpe-me

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Com o coração

Hoje eu não quero conversas vestidas de uniforme. Diálogos impecavelmente arrumados que não deixam o coração à mostra. As palavras podem sair de casa sem maquiagem. Podem surgir com os cabelos desalinhados, livres de roupas que as apertem, como se tivessem acabado de acordar. Dispensa-se tons acadêmicos, defesas de tese, regras para impressionar o interlocutor. O único requinte deve ser o sentimento. É desnecessário tentar entender qualquer coisa. Tentar solucionar qualquer problema. Buscar salvamento para o quer que seja.

Hoje eu não quero falar sobre o quanto o mundo está doente. Sobre como está difícil a gente viver. Sobre as milhares de coisas que causam câncer. Sobre as previsões de catástrofes que vão dizimar a humanidade. Sobre o quanto o ser humano pode ser também perverso, corrupto, tirano e outras feiúras. Sobre os detalhes das ações violentas noticiadas nos jornais. Não quero o blablablá encharcado de negatividade que grande parte das vezes não faz outra coisa além de nos encher de mais medo. Não quero falar sobre a hipocrisia que prevalece, sob vários disfarces, em tantos lugares. Hoje, não. Hoje, não dá. Não me interessam o disse-que-disse, os julgamentos, a investigação psicológica da vida alheia, os achismos sobre as motivações que fazem as pessoas agirem assim ou assado, o dedo na ferida.

Hoje eu não quero aquelas conversas contraídas pelo receio de não se ter assunto. A aflição de não se saber o que fazer se ele, de repente, acabar. O esforço de se falar qualquer coisa para que a nossa quietude não seja interpretada como indiferença. Hoje eu não quero aquelas conversas que muitas vezes acontecem somente para preenchermos o tempo. Para tentarmos calar a boca do silêncio. Para fugirmos da ameaça de entrar em contato com um monte de coisas que o nosso coração tem pra dizer. Além do necessário, hoje não quero falar só por falar nem ouvir só por ouvir. Que a fala e a escuta possam ser um encontro. Um passeio que se faz junto. Um tempo em que uma vida se mostra para a outra, com total relaxamento, sem se preocupar se aquilo que é mostrado agrada ou não. Se aumenta ou diminui os índices de audiência.

Hoje, se quiser, se puder, se souber, me fala de você. Da essência vestida com essa roupa de gente com a qual você se apresenta. Fala dos seus amores, tanto faz se estão perto do seu corpo ou somente do seu coração. Fala sobre as coisas que costumam fazer você sintonizar a frequência do seu riso mais gostoso. Fala sobre os sonhos que mantêm o frescor, por mais antigos que sejam. Fala a partir daquilo em você que não desaprendeu o caminho das delícias. Do pedaço de doçura que não foi maculado. Da porção amorosa que saiu ilesa à própria indelicadeza e à alheia. A partir daquilo em você que continuou a acreditar na ternura, a se encantar e a se desprevenir, apesar de tantos apesares. Conta sobre as receitas que lhe dão água na boca. Sobre o que gosta de fazer para se divertir. Conta se você reza antes de adormecer.

Hoje, me fala de você. Dos momentos em que a vida lhe doeu tanto que você achou que não iria aguentar. Fala das músicas que compõem a sua trilha sonora. Dos poemas que você poderia ter escrito, de tanto que traduzem a sua alma. Senta perto de mim e mesmo que estejamos rodeados por buzinas, gente apressada, perigos iminentes, faz de conta que a gente está conversando no quintal de casa, descascando uma laranja, os pés descalços, sem nenhum compromisso chato à nossa espera. A gente já brincou tanto de faz-de-conta quando era criança, onde foi que a gente esqueceu como se chega a esse lugar de inocência? Fala da lua que você admirou outra noite dessas, no céu. Da borboleta que lhe chamou à atenção por tanta beleza, abraçada a alguma flor, como se existisse apenas aquele abraço. Diz se quando você acorda ainda ouve passarinhos, mesmo que não possa identificar de onde vem o canto. Diz se a sua mãe cantava para fazer você dormir.

Senta perto e me conta o que você sentiu quando viu o mar pela primeira vez e o que sente quando olha pra ele, tantas vezes depois. Se tinha jardim na casa da sua infância, me diz que flores riam por lá. Conta há quanto tempo não vê uma joaninha. Se tinha algum apelido na escola. Se consegue se imaginar bem velhinho. Fala da sua família, a de origem ou a que formou. Das pessoas que não têm o seu sobrenome, mas são familiares pra sua alma. Fala de quem passou pela sua vida e nem sabe o quanto foi importante. Daqueles que sabem e você nem consegue dizer o tamanho que têm de verdade. Fala daquele animal de estimação que deitava junto aos seus pés, solidário, quando você estava triste. Diz o que vai ser bacana encontrar quando, bem lá na frente, olhar para o caminho que fez no mundo, em retrospectiva.

Podemos falar abobrinhas, desde que sejam temperadas com riso, esse tempero que faz tanto bem. A gente pode rir dos tombos que você levou na rua e daqueles que levou na vida, dos quais a gente somente consegue rir muito depois, quando consegue. A gente pode rir das suas maluquices românticas. Das maiores encrencas que já arrumou. Das ciladas que armaram para você e, antes de entender que eram ciladas, chegou até a agradecer por elas. De quando descobriu como são feitos os bebês. A gente pode rir dos cárceres onde se prendeu e levou um tempo imenso pra descobrir que as chaves estavam com você o tempo todo. Das vezes em que se sentiu completamente nu diante de um Maracanã, tamanha vergonha, como se todos os olhos do mundo estivessem voltados na sua direção. Das mentiras que contou e acreditaram com facilidade. Das verdades que disse e ninguém levou a sério.

Não precisa ter pauta, seguir roteiro, deixa a conversa acontecer de improviso, uma lembrança puxando a outra pela mão, mas conta de você e deixa eu lhe contar de mim. Dessas coisas. De outras parecidas. Ouve também com os olhos. Escuta o que eu digo quando nem digo nada: a boca é o que menos fala no corpo. Não antecipe as minhas palavras. Não se impaciente com o meu tempo de dizer. Não me pergunte coisas que vão fazer a minha razão se arrumar toda para responder. Uma conversa sem vaidade, ninguém quer saber qual história é a mais feliz ou a mais desditosa.
Hoje eu quero conversar com um amigo pra falar também sobre as coisas bacanas da vida. As miudezas dela. A grandeza dela. A roda-gigante que ela é, mesmo quando a gente vive como se estivesse convencido de que ela é trem-fantasma o tempo inteiro. Um amigo pra falar de coisas sensíveis. Do quanto o ser humano pode ser também bondoso, honesto, afetuoso, divertido e outras belezas. Dos lugares onde nossos olhos já pousaram e daqueles onde pousam agora. Um amigo para conversar horas adentro, com leveza, de coisas muito simples, como a gente já fez mais amiúde e parece ter desaprendido como faz. Um amigo para se conversar com o coração.

E se não quisermos, não pudermos, não soubermos, com palavras, nos dizer um pouco um para o outro, senta ao meu lado assim mesmo. Deixa os nossos olhos se encontrarem vez ou outra até nascer aquele sorriso bom que acontece quando a vida da gente se sente olhada com amor. Senta apenas ao meu lado e deixa o meu silêncio conversar com o seu. Às vezes, a gente nem precisa mesmo de palavras.
 

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Desculpas



— E você, por que desvia o olhar?

(Porque eu tenho medo de altura. Tenho medo de cair para dentro de você. Há nos seus olhos castanhos certos desenhos que me lembram montanhas, cordilheiras vistas do alto, em miniatura. Então, eu desvio os meus olhos para amarrá-los em qualquer pedra no chão e me salvar do amor. Mas, hoje, não encontraram pedra. Encontraram flor. E eu me agarrei às pétalas o mais que pude, sem sequer perceber que estava plantada num desses abismos, dentro dos seus olhos.)
— Ah. Porque eu sou tímida.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

FREDDY KRUEGER


"Tentaram de todas as maneiras. Estrangulamento. Sufocamento com travesseiro. Corda de nylon. Experimentaram com faca, com tesoura, com punhal. Tiros, cento e dezenove. Morderam. Enfiaram o dedo e rasgaram, e puxaram, e retorceram. Veneno! De rato! Machado, enxada, porrete. Jogaram do trigésimo sétimo andar. Atropelaram. Amarraram na traseira de um ônibus verde, de turismo. Derrubaram da moto, sem capacete. Pisotearam. Fizeram vodu. Espada. Escopeta. Chute. Gasolina e fósforo. Serra-elétrica. Gilete. Cadeira elétrica. Precipício. Lança-chamas. Empurraram da escada. Afogamento. Guilhotina. Seringa com HIV positivo. Malária. Jogaram de um avião. Colocaram num caixão, acorrentaram e enterraram. Overdose de cocaína. Cortaram em mil pedaços.
E, agora, estavam os dois ali, olhando para aquele ser amorfo, amarrotado, rasgado, sangrando, pulsando e respirando em cima da cama, com uns olhos deste tamanho e um pedaço de sorriso de escárnio agarrado nos dentes da frente. 
- Bem que disseram que essa porra desse tal de amor não morre"
 Relendo nossa história, ouvindo nossas músicas percebi que o tempo ainda não foi suficiente para apagá-lo da minha memória...será que vc ainda passa por aqui? Ainda senta na minha varanda para me ouvir? 
   Inevitável sentir sua falta. Mas a vida continua, sem você.
Ainda dolorida.                            

domingo, 7 de novembro de 2010

Heaven & Hell

Prefiro o céu pela temperatura, e o inferno pela companhia.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Quero saber o que desejas ardentemente

Não me interessa saber o que fazes para ganhar a vida. Quero saber o que desejas ardentemente, se ousas sonhar em atender aquilo pelo qual o teu coração anseia. Não me interessa saber a tua idade. Quero saber se arriscarás parecer um tolo por amor, por sonhos, pela aventura de estar vivo. Não me interessa saber que planetas estão em quadratura com a tua lua. Quero saber se tocaste o âmago da tua dor, se as traições da vida te abriram ou se te tornaste murcho e fechado por medo de mais dor! Quero saber se podes suportar a dor, minha ou tua; sem procurar escondê-la, reprimi-la ou narcotizá-la. Quero saber se podes aceitar alegria, minha ou tua, se podes dançar com abandono e deixar que o êxtase te domine até às pontas dos dedos das mãos e dos pés, sem nos dizeres para termos cautela, sermos realistas, ou nos lembrarmos das limitações de sermos humanos. Não me interessa se a história que contas é verdade. Quero saber se consegues desapontar outra pessoa para ser autêntico contigo mesmo, se podes suportar a acusação de traição e não traíres a tua alma.

Quero saber se podes ver beleza mesmo que ela não seja bonita todos os dias, e se podes buscar a origem da tua vida na presença de Deus, quero saber se podes viver com o fracasso, teu e meu e ainda, à margem de um lago, gritar para a lua prateada: Posso! Não me interessa onde moras ou quanto dinheiro tens. Quero saber se podes levantar-te após uma noite de sofrimento e desespero, cansado, ferido até aos ossos, e fazer o que tem de ser feito pelos filhos. Não me interessa saber quem és e como vieste parar aqui. Quero saber se ficarás comigo no meio do incêndio e não te acovardarás. Não me interessa saber onde, o quê, ou com quem estudaste. Quero saber o que te sustenta a partir de dentro, quando tudo o mais se desmorona. Quero saber se consegues ficar sozinho contigo mesmo e se, realmente, gostas da companhia que tens nos momentos vazios.

lugar de inspiração

A espera

Preciso que um barco atravesse o mar
lá longe
para sair dessa cadeira
para esquecer esse computador
e ter olhos de sal
boca de peixe e o vento frio batendo nas escamas.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Não deveria se chamar amor

O amor que eu te tenho é um afeto tão novo
Que não deveria se chamar amor
De tão irreconhecível, tão desconhecido
Que não deveria se chamar amor
Poderia se chamar nuvem
Pois muda de formato a cada instante
Poderia se chamar tempo
Porque parece um filme que nunca assisti antes
Poderia se chamar labirinto
Pois sinto que não conseguirei escapulir
Poderia se chamar aurora
Pois vejo um novo dia que está por vir.
Poderia se chamar abismo
Pois é certo que ele não tem fim
Poderia se chamar horizonte
Que parece linha reta, mas sei que não é assim.
Poderia se chamar primeiro beijo
Porque não lembro mais do meu passado
Poderia se chamar último adeus
Que meu antigo futuro foi abandonado.
Poderia se chamar universo
Porque nunca o entenderei por inteiro
Poderia se chamar palavra louca
Que na verdade quer dizer aventureiro.
Poderia se chamar silêncio
Porque minha dor é calada e meu desejo é mudo
E poderia simplesmente não se chamar
Para não significar nada e dar sentido a tudo.

desejos


Desconfio que se eu disser mar em voz alta, o mar entra pela janela.

Preferia morrer

Sempre acho que tudo dura para sempre, mas isso nunca acontece. Na verdade, tudo existe apenas por um instante, com excessão das coisas que guardamos na memória. Sempre procuro guardar tudo – preferia morrer a esquecer.

Sam Savage, no livro “Firmin” (Planeta).

domingo, 31 de outubro de 2010

A gente se acostuma.

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Extraído do livro “Eu sei, mas não devia“, de Marina Colasanti

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Podes cair, avião!

Sabes, minha vida tem sido um excesso permanente, uma espécie de avalanche a escorregar montanha abaixo. Não tem havido pecado que não me manche, vício que não me seduza. Tenho 36 anos agora e, às vezes (eu, que tenho terror de aviões), dou comigo, a bordo de um avião, quando aquela improvável invenção de metal começa a abanar como se tivesse acabado de descobrir a lei da gravidade, a pensar friamente: “Se esta merda cair agora, como é lógico que aconteça, é justo que assim seja: já vivi de mais, três vidas numa só, trezentos e sessenta anos em trinta e seis. Podes cair, avião: juro que não me vou queixar de ti”.
“No teu deserto"

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Terceira a esquerda

Terceira à esquerda. Segunda à direita. Segue em frente. Passa pelo orelhão. Quando vir um sorriso à sua direita, você dobra. Quatro quarteirões. Olha pra cima. Se tiver uma nuvem, você espera ela passar. Se não tiver, entra depressa. Uma porta branca. Estreita, tem de se esforçar um pouco. Aí, só subir a escada. Mil, novecentos e vinte e sete degraus. Aí, chega no trampolim. Abra os braços, pra se equilibrar bem, que um tombo agora pode ser fatal! Lá embaixo, uma piscina. Vermelha. Vermelha porquê? Ué, porque sim, ora! A água é quentinha, vai gostar. Mais divertido se pular de cabeça. Respira fundo antes, que leva um tempo pra voltar à tona. Mas volta. Aí, umas braçadas. É preciso fôlego... Vai nadar aí por um bom tempo. Mas é gostoso, a água quentinha não deixa ficar dolorido. Não, não tem fundo, não dá pra descansar. Faz o seguinte: de vez em quando você bóia. Põe a barriga pra cima e bóia. Igual criança. Se o céu estiver escuro, pode ir se preparando. Vai precisar de força. Mas passa. Não dá pra se afogar, só assusta um pouco. Continua nadando. Só duas possibilidades de chegada: abismo ou praia. Se chegar na praia, melhor. É um lugar bonito. Relaxante. Tomara que seja. Se for abismo, vai doer. Mas passa. Dependendo do peso da sua alma, você vai cair por alguns minutos. Talvez, algumas horas. Tem gente que cai por anos. Dizem por aí que tem gente que nunca mais pára de cair. Mas é lenda. É, não chega a ser perigoso, perigoso, assim... Mas assusta. Tá, é perigoso, sim. Mas e o que não é? Depois? Depois, sei lá... Você vai decidir. O que eu sei é que você vai ter vontade de começar tudo de novo. Vai, segue em frente. Sem medo. Bota um sorriso na cara e vai. Anda! Vai! Boa sorte. Qualquer coisa, liga. Beijo. Tchau.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

cheiro de saudade

Era saudade, sim, eu pude dar nome quando tocou o meu instante com mãos de surpresa e me convidou pra sentir. Eu deixei que crescesse, que expandisse seus ramos, que florisse com calma, sem tentar adiá-la ou entretê-la, essas coisas que às vezes a gente tenta fazer com saudade que machuca, e vez ou outra até consegue. Mas aquela, eu pressenti pela melodia do perfume que emanava, aquela não tinha a mínima intenção de ferir. Aquela não saberia, ainda que tentasse. Aquela, eu sei, não tentaria.
Não era daquelas saudades que fazem a musculatura da vida ficar toda contraída de dor. Daquelas que amordaçam as flores e espantam as borboletas. Daquelas que engasgam o canto e fazem as asas encolherem. Daquelas traiçoeiras que, na primeira oportunidade, quebram as pontas dos nossos lápis de cor. Daquelas que escondem os brinquedos da gente nas prateleiras mais altas e, por via das dúvidas, encurtam os braços do nosso contentamento. Daquelas que inflam nuvens que depois inundam tudo de carência e de tristeza. Não, aquela não.
Aquela era uma saudade feita de um punhado de sorrisos viçosos floridos no jardim da memória. Era pássaro que cantava macio na árvore mais frondosa da minha gratidão. Era mar que estendia ondas suaves de ternura por toda a orla dos meus olhos. Aquela era dessas saudades que toda vez que dizem acendem um mundaréu de estrelas no céu do coração. Era uma certeza de que a vida sempre arruma maneiras para aproximar as almas irmãs, esses anjos vestidos de gente que tornam mais fácil e mais feliz a nossa temporada de aulas e recreios nesse mundo.
Aquela era dessas saudades bem-vindas que trazem também descanso e alegria na sua cesta de bênçãos. Era dessas saudades que derrubam cercas e desenham pontes. Era dessas saudades que desembrulham lembranças que deixam o instante da gente todo perfumado de Deus. Aquela era dessas saudades generosas que bordam sol no tecido da alma com os seus lindos fios de amor.
 
p.s.: Bom lembrar de vc com o carinho de outros tempos. Sem dor e rancor. Assim tenho certeza que me curei, de tudo.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Identidade.

"Eu gosto de carinho violento. De falar. De estar certa. De quem entende o que eu digo. De quem escuta o que eu penso. Da minha prole. Dos meus discos. Dos meus livros. Dos meus cachorros. Dos Stones. Do Rock Natural. Da minha solidãozinha. Dos meus blues. Do meu sofá vermelho. Da minha casa. Do meu umbigo. De unhas cor de carmim. De homem que sabe ser homem. De noites em claro e dias em branco. De chuva e de sol. Eu guardo as minhas rejeições em vidrinhos rotulados com o nome deles. Eu sou mole demais por dentro pra deixar todo mundo ver. Eu deixo pra quem eu acho que pode comigo. Ninguém sabe. Mas eu tenho coração de moça.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

ser assim.


Ser sensível nesse mundo requer muita coragem.
Muita. Todo dia.
Esse jeito de ouvir além dos olhos, de ver além dos ouvidos,
de sentir a textura do sentimento alheio tão clara no próprio coração
e tantas vezes até doer ou sorrir junto com toda sinceridade.
Essa sensação, de vez em quando, de ser estrangeiro e não saber falar o idioma local,
de ser meio ET, uma espécie de sobrevivente de uma civilização extinta.
Essa intensidade toda em tempo de ternura minguada.
Esse amor tão vívido em terra em que a maioria
parece se assustar mais com o afeto do que com a indelicadeza.
Esse cuidado espontâneo com os outros.
Essa vontade tão pura de que ninguém sofra por nada.
Esse melindre de ferir por saber, com nitidez, como dói se sentir ferido. ......
Ser sensível nesse mundo requer muita coragem. Muita. Todo dia.
Essa saudade, que faz a alma marejar,
de um lugar que não se sabe onde é, mas que existe, é claro que existe.
Essa possibilidade de se experimentar a dor, quando a dor chega,
com a mesma verdade com que se experimenta a alegria.
Essa incapacidade de não se admirar com o encanto grandioso
que também mora na sutileza.
Essa vontade de espalhar buquês de sorrisos por aí,
porque os sensíveis, por mais que chorem de vez em quando,
não deixam adormecer a ideia de um mundo que possa acordar sorrindo.
Pra toda gente. Pra todo ser. Pra toda vida.
Eu até já tentei ser diferente, por medo de doer,
mas não tem jeito: só consigo ser igual a mim.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Seja Imprevisível


1Cometa bobagens. Não pense demais porque o pensamento já mudou assim que se pensou. O que acontece normalmente, encaixado, sem arestas, não é lembrado. Ninguém lembra do que foi normal. Lembramos do porre, do fora, do desaforo, dos enganos, das cenas patéticas em que nos declaramos em público. Cometa bobagens. Dispute uma corrida com o silêncio. Não há anjo a salvar os ouvidos, não há semideus a cerrar a boca para que o seu futuro do passado não seja ressentimento. Demita o guarda-chuva, desafie a timidez, converse mais do que o permitido, coma melancia e vá tomar banho de rio. Mexa as chaves no bolso para despertar uma porta. Cometa bobagens. Não compre manual para criar os filhos, para prender o gozo, para despistar os fantasmas. Não existe manual que ensine a cometer bobagens. Não seja sério; a seriedade é duvidosa; seja alegre; a alegria é interrogativa. Quem ri não devolve o ar que respira. Não atravesse o corpo na faixa de segurança. Grite para o vizinho que você não suporta mais não ser incomodado. Use roupas com alguma lembrança. Use a memória das roupas mais do que as próprias roupas. Desista da agenda, dos papéis amarelos, de qualquer informação que não seja um bilhete de trem. Procure falar o que não vem à cabeça. Cantarolar uma música ainda sem letra. Deixe varrerem seus pés, case sem namorar, namore sem casar. Seja imprudente porque, quando se anda em linha reta, não há histórias para contar. Leve uma árvore para passear. Chore nos filmes babacas, durma nos filmes sérios. Não espere as segundas intenções para chegar às primeiras. Não diga “eu sei, eu sei”, quando nem ouviu direito. Almoce sozinho para sentir saudades do que não foi servido em sua vida. Ligue sem motivo para o amigo, leia o livro sem procurar coerência, ame sem pedir contrato, esqueça de ser o que os outros esperam para ser os outros em você. Transforme o sapato em um barco, ponha-o na água com a sua foto dentro. Não arrume a casa na segunda-feira. Não sofra com o fim do domingo. Alterne a respiração com um beijo. Volte tarde. Dispense o casaco para se gripar. Solte palavrão para valorizar depois cada palavra de afeto. Complique o que é muito simples. Conte uma piada sem rir antes. Não chore para chantagear. Cometa bobagens. Ninguém lembra do que foi normal. Que as suas lembranças não sejam o que ficou por dizer. É preferível a coragem da mentira à covardia da verdade.

sobre aquela espera...


Quando eu saí de uma importante depressão, eu disse a mim mesma que o mundo no qual eu acreditava deveria existir em algum lugar do planeta. Nem se fosse apenas dentro de mim... Mesmo se ele não existisse em canto algum, se eu, pelo menos, pudesse construi-lo em mim, como um templo das coisas mais bonitas em que eu acredito, o mundo seria sim bonito e doce, o mundo seria cheio de amor, e eu nunca mais ficaria doente. E, nesse mundo, ninguém precisa trocar amor por coisa alguma porque ele brota sozinho entre os dedos da mão e se alimenta do respirar, do contemplar o céu, do fechar os olhos na ventania e abrir os braços antes da chuva. Nesse mundo, as pessoas nunca se abandonam. Elas nunca vão embora porque a gente não foi um bom menino. Ou porque a gente ficou com os braços tão fraquinhos que não consegue mais abraçar e estar perto. Mesmo quando o outro vai embora, a gente não vai. A gente fica e faz um jardim, qualquer coisa para ocupar o tempo, um banco de almofadas coloridas, e pede aos passarinhos não sujarem ali porque aquele é o banco do nosso amor, do nosso grande amigo. Para que ele saiba que, em qualquer tempo, em qualquer lugar, daqui a não sei quantos anos, ele pode simplesmente voltar, sem mais explicações, para olhar o céu de mãos dadas.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Simples assim...

Talvez seja tão simples, tolo e natural que você nunca tenha parado para pensar: aprenda a fazer bonito o seu amor. Ou fazer o seu amor ser ou ficar bonito. Aprenda, apenas, a tão difícil arte de amar bonito. Gostar é tão fácil que ninguém aceita aprender.
Tenho visto muito amor por aí, Amores mesmo, bravios, gigantescos, descomunais, profundos, sinceros, cheios de entrega, doação e dádiva,mas esbarram na dificuldade de se tornar bonito. Apenas isso: bonitos,belos ou embelezados, tratados com carinho, cuidado e atenção. Amores levados com arte e ternura de mãos jardineiras.
Aí esses amores que são verdadeiros, eternos e descomunais de repente se percebeu ameaçados apenas e tão somente porque não sabem ser bonitos: cobram; exigem; rotinizam; descuidam; reclamam; deixam de compreender;necessitam mais do que oferecem; precisam mais do que atendem; enchem-se de razões. Sim, de razões. Ter razão é o maior perigo no amor.
Quem tem razão sempre se sente no direito (e o tem) de reinvindicar, de exigir justiça, equidade, equiparação, sem atinar que o que está sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão. Nem queira. Ter razão é um perigo: em geral enfeia o amor, pois é invocado com justiça mas na hora errada. Amar bonito é saber a hora de ter razão.
Ponha a mão na consciência. Você tem certeza que está fazendo o seu amor bonito?
De que está tirando do gesto, da ação, da reação, do olhar, da saudade, da alegria do encontro, da dor do desencontro, a maior beleza possível? Talvez não. Cheio ou cheia de razões, você espera do amor apenas aquilo que é exigido por suas partes necessitadas, quando talvez dele devesse pouco esperar, para valorizar melhor tudo de bom que de vez em quando ele pode trazer.
Quem espera mais do que isso sofre, e sofrendo deixa de amar bonito. Sofrendo, deixa de ser alegre, igual criança.E sem soltar a criança, nenhum amor é bonito.
Não tema o romantismo. Derrube as cercas da opinião alheia. Faça coroas de margaridas e enfeite a cabeça de quem você ama. Saia cantando e olhe alegre.
Recomendam-se: encabulamentos; ser pego em flagrante gostando; não se cansar de olhar, e olhar; não atrapalhar a convivência com teorizações; adiar sempre, se possível com beijos, “aquela conversa importante que precisamos ter”, arquivar se possível, as reclamações pela pouca atenção recebida. Para quem ama toda atenção é sempre pouca. Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser toda atenção possível.Quem ama bonito não gasta o tempo dessa atenção cobrando a que deixou de ter.
Não teorize sobre o amor (deixe isso para nós, pobres escritores que vemos a vida como criança de nariz encostado na vitrine, cheia de brinquedos dos nossos sonhos) :não teorize sobre o amor, ame. Siga o destino dos sentimentos aqui e agora.
Não tenha mêdo exatamente de tudo o que você teme, como: a sinceridade;não dar certo; depois vir a sofrer (sofrerá de qualquer jeito); abrir o coração;contar a verdade do tamanho do amor que sente.
Jogue pro alto todas as jogadas, estratagemas, golpes, espertezas, atitudes sabidamente eficazes (não é sábio ser sabido): seja apenas você no auge de sua emoção e carência, exatamente aquele você que a vida impede de ser. Seja você cantando desafinado, mas todas as manhãs. Falando besteiras, mas criando sempre. Gaguejando flores. Sentindo o coração bater como no tempo
do Natal infantil. Revivendo os carinhos que instruiu em criança. Sem mêdo de dizer, eu quero, eu gosto, eu estou com vontade.
Talvez aí você consiga fazer o seu amor bonito, ou fazer bonito o seu amor,ou bonitar fazendo seu amor, ou amar fazendo o seu amor bonito(a ordem das frases não altera o produto), sempre que ele seja a mais verdadeira expressão de tudo o que você é e nunca, deixaram, conseguiu, soube, pôde, foi possível, ser.
Se o amor existe, seu conteúdo já é manifesto. Não se preocupe mais com ele e suas definições. Cuide agora da forma. Cuide da voz. Cuide da fala. Cuide do cuidado. Cuide do carinho. Cuide de você. Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do amor e só assim poder começar a tentar fazer o outro feliz.


Texto de Arthur da Távola, a quem nutro profunda admiração literária.

...

O que falta para eu entender que acabou? 
Que dor falta sentir?

p.s.:

Não deixe portas entreabertas.
Escancare-as Ou bata-as de vez.
Pelos vãos, brechas e fendas Passam apenas semiventos,
Meias verdades 
E muita insensatez.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Shout

Fabiola Fernandes

Eu grito porque o silêncio me incomoda.
Eu grito pra acordar a vizinhança. Eu grito pra fazer a velha gorda que caminha na calçada olhar pra cima. Eu grito pra deixar a meninada com medo de sair na rua, eu grito pra deixar o velho guarda com pânico do obscuro, eu grito pra deixar o carinha que amassa na esquina a namorada, de cabelo espichadinho, com o pau endurecido.
Eu grito porque não tenho voz. Eu grito porque eu calo para quem merecia uma porrada. Eu grito pela morte do meu gato, eu grito pela sorte do vagabundo que achou no lixo uma coxinha pela metade, eu grito pelo medo que o porrete causa na pele fria do mercedes prateado, eu grito pra abafar o barulho do avião, eu grito pra jogar qualquer muro em algum chão, eu grito pra enganar a desconfiança, eu grito pra apressar qualquer mudança.
Eu grito porque eu grito. Eu grito porque não aprendi a não gritar. Eu grito de tesão. Eu grito de alegria. Eu grito de pavor. Eu grito de horror. Eu grito por amor. Eu grito de saudade. Eu grito de felicidade. Eu grito com a boca cheia de lágrimas. Eu grito com a boca seca de vontade. Eu grito com a mão espalmada pra ampliar o grito. Eu grito com a camisa aberta no peito pra enfurecer o grito. Eu grito com o olho esbugalhado pra causar atrito. Eu grito porque, se eu não grito, eu não existo. Eu grito porque gosto. Eu grito porque quero. Eu grito porque sonho. Eu grito porque desisto. Eu grito porque insisto. Eu grito porque ninguém me ouve. Eu grito porque ninguém me vê. Eu grito porque quero continuar no escuro. Eu grito de vergonha. Eu grito por exibicionismo. Eu grito por hipocrisia. E eu grito por detestar a hipocrisia. Eu grito por idolatria. Eu grito por necessidade. Eu grito por inconsequência. Eu grito de orgulho. Eu grito por arrogância. Eu grito só de implicância. Eu grito porque gritando eu não vomito.
Eu grito porque o silêncio me machuca. Porque a noite me aprisiona. Porque o sol me dói a vista. Porque a sorte me abandona. Porque a morte me ronda o quarto. Porque a vida não se mede com uma régua. Porque não encontro a porta aberta. Porque não suporto nenhuma perda. Porque não acredito na vida eterna. Porque quero me aconchegar no peito dela. Porque quero amarrar poesia nas estrelas. Porque quero avacalhar as letras do alfabeto. Porque quero enterrar as mentes obtusas. Porque quero destruir as meias-verdades. Porque quero esburacar o sonho alheio. Porque quero estraçalhar quem me machuca.
Eu grito, porque eu grito. Eu grito porque o silêncio me incomoda. Eu grito pra fazer barulho. Eu grito.
Me beija. Que eu calo.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Contraditória

Eu sou lúcida na minha loucura, permanente na minha inconstância, inquieta na minha comodidade. Pinto a realidade com alguns sonhos, e transformo alguns sonhos em cenas reais.

Choro lágrimas de rir e quando choro pra valer não derramo uma lágrima. Amo mais do que posso e, por medo, sempre menos do que sou capaz.
Busco pelo prazer da paisagem e raramente pela alegre frustração da chegada. Quando me entrego, me atiro e quando recuo não volto mais.
Mas não me leve a sério, sei que nada é definitivo.
Nem eu sou o que penso que eu sou.
Nem nós o que a gente pensa que tem.
Prefiro as noites porque me nutrem na insônia, embora os dias me iluminem quando nasce o sol. Trabalho sem salário e não entendo de economizar.
Nem de energia. Esbanjo-me até quando não devo e, vezes sem conta, devo mais do que ganho.
Não acredito em duendes, bruxas, fadas ou feitiços. Não vou à missa. Nem faço simpatias. Mas, rezo pra algum anjo de plantão e mascaro minha fé no deus do otimismo.
Quando é impossível, debocho. Quando é permitido, duvido. Não bebo porque só me aceito sóbria, fumo pra enganar a ansiedade e não aposto em jogo de cartas marcadas.
Penso mais do que falo. E falo muito, nem sempre o que você quer saber. Eu sei. Gosto de cara lavada — exceto por um traço preto no olhar — pés descalços, nutro uma estranha paixão por camisetas velhas e sinto falta de uma tatuagem no lado esquerdo das costas.

Mas há uma mulher em algum lugar em mim que usa caros perfumes, sedas importadas e brilho no olhar, quando se traveste em sedução.
Se você perceber qualquer tipo de constrangimento, não repare, eu não tenho pudores mas, não raro, sofro de timidez. E note bem: não sou agressiva, mas defensiva.
Impaciente onde você vê ousadia.
Falta de coragem onde você pensa que é sensatez.
Mas mesmo assim, sempre pinta um momento qualquer em que eu esqueço todos os conselhos e sigo por caminhos escuros. Estranhos desertos.
E, ignorando todas as regras, todas as armadilhas dessa vida urbana, dessa violência cotidiana, se você me assalta, eu reajo.

domingo, 1 de agosto de 2010

Amor - pois é palavra essencial




 Amor - pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.
Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?
O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.
Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?
Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.
Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.
E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da prórpia vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.
E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.
Quantas vezes morremos um no outro,
nu úmido subterrâneoda vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.
Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre

Ao dia do orgasmo - que foi ontem.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

O CONVITE

Se quiseres, vem morar no meu peito,
arruma-o ao teu gosto, pinta-o como escolheres, deixe que a luz permaneça nele
Cerre suas portas e janelas, agasalha-te, ama-o calada, mas com cuidado e carinho, que tu não dês seu endereço, a quem quer que seja, guarda-o no silêncio, que silenciosamente guardar-te-ei comigo
Se quiseres, vem fazer do meu coração o teu lar, enfeite-o com vasos e jardineiras nas janelas
Vem por um pouco de fantasia neste espaço, para que ele tenha sonhos coloridos
Vem, para que volte a ter velhos lampejos, vem para que a cada saída tua ele possa ter o sobressalto da espera e a emoção de outras chegadas
Se quiseres, vem sem racionalizar a vinda...
vem somente, fica secretamente, pois se o mundo tiver que nos perceber que seja apenas pelo brilho dos nossos olhos
Se quiseres, se tiveres um pouco de vontade, pode vir sem medo, porque, quando quiseres partir, eu não tentarei prender-te
Mas cuidemos para que o amor não morra, permaneça, fique!
Se quiseres, vem...


nota: Ainda choro relendo a nossa história.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Não se morre de amor nos trópicos

Sossega, nega, não se morre de amor nos trópicos. A morte amorosa é uma invenção dos que hibernam como ursos da Sibéria ou cinzentos donzelos alemães...

O tio tenta uma filosofia de consolação para a amiga que sofre e pena entre a Angélica e Augusta como se fosse num inferno verde de fitzcarráldica fábula babilônica labiríntica, danou-se! a menina nas asas da hipérbole-helicóptera.

Te juega, nega, aqui não se morre disso. Se o jovem Werther aqui fosse nascido, até choraria um tanto o seu infortúnio, mas já já algum vagabundo passaria na sua casa e eles iriam tomar um ele & ela (caldinho com cachaça) na Várzea ou no Pina, freguesia do Recife, iam tirar uma onda na barraca de Jesus ou no seu Rainha, na mesma cidadela invicta, iam tomar uma com Franciel, pura ingresia da Bahia, lá nas beiradas do mercado de São Joaquim, na frente daqueles garajaus com bodes pretos e galinhas idem, além dos gabirus na lama dos currulepes que ali dançam aos pés dos bêbados, seres com ou sem asas para trabalhos de macumba, como reza o manual de zoologia daquele cego portenho da gota.
 
Sossega, preta, roga uma praga neste peste e pronto, cai de novo na lama milagrosa do hedonismo. E se a vida atropelar, de nuevo, na mesma curva, anota a placa, menina, e arrisca no bicho.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Indecências nada mais




Ai vem você e diz assim: não vem mais com aquelas coisas, provocações, sexo, sabe, nossas perversidades de sempre, te peço, encarecidamente, duas vias, papel caborno da burocracia da existência, carimbo, guichês, filas que andam, como se a quentura dos seres assim esfriasse, como se tomássemos o antitérmico do amor e da lenha das nossas sortes; aí donde eu: oxi, foste tu que começaste nas todas vezes últimas; eu sei, mas só te aviso, sabe; não; que sentido fazes?; e se ele soubesse daquele beijo na boca?, na frente do povo?, te daria um murro; ah, não se bate num homem de óculos em seus domínios; e foi na boca mas só raspou o gloss, nada de garganta profunda; lábios que eu beijei, né questão de posse, só merecimento por antiguidade, serviços prestados, usucapião do teu coração que por mim, só por vício, nem mais por amor, ou agora é que será, ainda bate.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

talento é paciência sem fim

Durante minha vida me acostumei a apreender as coisas dadas conforme sua intensidade, sem, até onde isso é humanamente possível, preocupar-me com a duração. Essa é, em última análise, a maneira melhor e mais direta de esperar tudo delas - mesmo a duração. Se começarmos por esta pretensão de que ela dure, arruinamos e falsificamos toda experiência; de fato, nós a paralisamos em sua potencialidade mais própria, mais íntima.
O que de fato não se pode suplicar pode apenas ser dado de presente. Tb penso agora: muitas vezes na vida parece que nada importa senão a mais longa paciência.


quinta-feira, 22 de julho de 2010

o sliêncio

Pior do que a voz que cala,
é um silêncio que fala.

Simples, rápido! E quanta força!

Imediatamente me veio à cabeça situações
em que o silêncio me disse verdades terríveis,
pois você sabe, o silêncio não é dado a amenidades.
Um telefone mudo. Um e-mail que não chega.
Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca.

Silêncios que falam sobre desinteresse,
esquecimento, recusas.

Quantas coisas são ditas na quietude,
depois de uma discussão.
O perdão não vem, nem um beijo,
nem uma gargalhada
para acabar com o clima de tensão.

Só ele permanece imutável,
o silêncio, a ante-sala do fim.

É mil vezes preferível uma voz que diga coisas
que a gente não quer ouvir,
pois ao menos as palavras que são ditas
indicam uma tentativa de entendimento.

Cordas vocais em funcionamento
articulam argumentos,
expõem suas queixas, jogam limpo.
Já o silêncio arquiteta planos
que não são compartilhados.
Quando nada é dito, nada fica combinado.

Quantas vezes, numa discussão histérica,
ouvimos um dos dois gritar:
"Diz alguma coisa, mas não fica
aí parado me olhando!"

É o silêncio de um, mandando más notícias
para o desespero do outro.

É claro que há muitas situações
em que o silêncio é bem-vindo.
Para um cara que trabalha
com uma britadeira na rua,
o silêncio é um bálsamo.
Para a professora de uma creche,
o silêncio é um presente.
Para os seguranças de um show de rock,
o silêncio é um sonho.

Mesmo no amor,
quando a relação é sólida e madura,
o silêncio a dois não incomoda,
pois é o silêncio da paz.

O único silêncio que perturba,
é aquele que fala.

E fala alto.

É quando ninguém bate à nossa porta,
não há e-mails na caixa de entrada
não há recados na secretária eletrônica
e mesmo assim, você entende a mensagem."

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Conforme a música...



Danço eu, dança você, no compasso da desilusão.

sábado, 10 de julho de 2010

pergunto...

E por falar em saudade, onde anda você?

sábado, 3 de julho de 2010

Dos Três Mal Amados

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço
O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome
O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas
O amor comeu metros e metros de gravatas
O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos
O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Nem se eu quisesse eu quero te querer mais...

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Mar absoluto

Trecho de um dos poemas mais lindos que conheço:
"O mar é só mar, desprovido de apegos,
matando-se e recuperando-se,
correndo como um touro azul por sua própria sombra,
e arremetendo com bravura contra ninguém,
e sendo depois a pura sombra de si mesmo,
por si mesmo vencido. É o seu grande exercício."

Cecília Meireles

terça-feira, 29 de junho de 2010

Sobrenatural

Ah, o amor sem mal.
De entrega total,
que se despoja na terra,
no pó,
na lama,
no forno,
na chama,
que canta,
que planta,
que se oferece,
e que colhe
e nos conflitos da trama
as raízes,
felizes,
crescem o tronco,
se abrem nas flores,
nos frutos,
no prazer
e nas dores,
para desfalecerem
ouvindo o canto de um anjo
abençoado no azul,
no rosa.
Nesse clima eu esbanjo
espontâneo e requintado,
e na ternura do sangue,
dopado no ardor,
eu viajo do real
ao sobrenatural do amor.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Dificilmente se arranca a lembrança

Depois de um tempão sumida, estou voltando, pra contar o que se passou nesse tempo....o que ganhei e perdi nesse período. O que posso adiantar é que vivi alguns anos nesses seis meses.Morri e resnasci...no sentido mais literal. Estou com saudades de falar e ouvir os que gostam de me "ouvir".
É isso, estou voltando e vou postar alguns de vários poemas e textos que troquei com alguém especial, mas que não faz parte mais dos meus dias, nem das lágrimas, nem dos meus sorrisos.
Estou voltando porque hoje não há lugar que me trará mais paz do que a minha varanda.

http://www.youtube.com/watch?v=pz34FGMCkWk

quarta-feira, 31 de março de 2010

Momento Vivícius....

Ai, quem me dera

Ai quem me dera, terminasse a espera
E retornasse o canto simples e sem fim...
E ouvindo o canto se chorasse tanto
Que do mundo o pranto se estancasse enfim

Ai quem me dera percorrer estrelas
Ter nascido anjo e ver brotar a flor
Ai quem me dera uma manhã feliz
Ai quem me dera uma estação de amor

Ah! Se as pessoas se tornassem boas
E cantassem loas e tivessem paz
E pelas ruas se abraçassem nuas
E duas a duas fossem ser casais

Ai quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afins
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim

Ai quem me dera ouvir o nunca mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E finda a espera ouvir na primavera
Alguem chamar por mim...

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Silêncio

Disse pra mim. Nenhum pio. Não vou falar nada. Já que sou tão imprópria, inadequada, boba. Já que nunca basto e se tento me excedo. Já que não sei o que deveria ou exagero em querer saber o que não devo. Nunca entendo exatamente, nunca chego lá, nunca sou verdadeiramente aceita pela exigência propositalmente inalcançável. Meu riso incomoda. Meu choro mais ainda. Minha ajuda é pouca. Meu carinho é pena. Meu dengo é cobrança. Minha saudade é prisão. Minha preocupação chatice. Minha insegurança problema meu. Meu amor é demais. Minha agressividade insuportável. Meus elogios causam solidão. Minhas constatações boas matam o amor. As ruins matam o resto todo. Minhas críticas causam coisas terríveis. Minhas palavras cuidadas incomodam. Minhas palavras jogadas, mais ainda. Minhas opiniões sempre se alongam e cansam. Minhas histórias acabam sempre no egocentrismo ou preconceito. Meu sem fim dá logo vontade de encurtar. Minha construção, desconstrói. Meus convites quase nunca agradam. Meus pedidos sempre desagradam. Meus soquinhos de frases são jovens demais. Meu bombardeio de coisas sempre acaba em guerra. Minha paz que viria depois nunca chega, pois eu nunca chego. Minha voz doce assusta. Minha voz brincalhona é ridícula. Minha voz séria alarde. Nenhum pio. Disse pra mim. Falar do que sinto é, na hora, desintegrar com seu olhar. Então fico me perguntando sobre o que deveria dizer, se só sei o que sinto. Devo sentir por personagens de livros, filmes, jornais e ruas? É assim que se diz sem ser o que não importa de verdade? E se for o contrário? Mas pra dizer do contrário, fica sempre no ar, é melhor não dizer. Se digo algo sobre minha vida, só sei falar de mim. Se digo algo sobre a vida dele, coitada de mim, achando que sei alguma coisa da vida. Se falo sobre a vida dos outros, que papo furado é esse? Se falo sobre coisas me sinto mais uma delas. Se provoco, eu que provoque sozinha porque ele não é trouxa de cair. Sobre livros, nunca são os que interessam. Sobre minha reportagem, nem quis ler. Meu trabalho nunca foi e nunca será da mulher dos sonhos. Meus sonhos evito falar, um medo de ser menina. Quieta. É assim que será. Se digo certo, isso logo acaba. Se digo certeiro, acabou. Se digo errado, nunca acaba. Se eu for mulher, mulher é um saco. Se eu for homem, homem só existe ele. Se eu for criança, fale com sua analista. Nenhum pio. Combinei comigo. Falar da gente pode? Pode, desde que, depois, eu tenha estrutura para ver toda uma massa desistente desabando sobre meu sofá pequeno. Nadinha. Não vou falar nada. Sobre dor não toca. Sobre prazer toca pouco. Nada. Porque toda vez que eu pergunto, quase ofende. E se respondo, ofende mais. E se exclamo, minha vontade de viver soterra. E se são três pontinhos, não posso. Se começo preciso terminar. Mas quando termino, ele já não está mais. Se repito, quase explode. Se digo uma, sou boa de ser guardada em algum lugar que nunca vejo. Se não explico, pareço louca. Se explico, sou louca. Quieta. Isso! Você consegue! Se for o que eu penso, eu penso errado. Se for o que eu não penso, errei por não pensar. Se não for nada disso, eu que pensasse antes. Se estou animada, cuidado com a rasteira. Se estou desanimada, não tem mão pra levantar. Nada. Não vou sussurrar. Nem gemer. Nenhum som. Respiração muda. O silêncio absoluto. Olhando pra ele. Lembrando de quando ele me disse que é no silêncio que se sabe a verdade. E a verdade chega como um teto gigante que desaba numa cabecinha de vento. O que eu mais temia. O que eu não queria descobrir. Ela me diz. E o pior é que eu nem posso falar por ela. É tudo mentira.