quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Será?

Será que ainda ficas oca, certos dias, por te teres esvaziado de mim?

Tu tão parecida com o vento que rodopia nas almas
para se entalar nas frestas da angustia, na luz da escuridão,
nos passos imóveis que nunca se dá porque seriam fatalmente motores
Tu que me embalas e me arrastas e em dias de sorte me fazes chorar
como se chorar fosse a última hipótese de te ter ao meu lado em cada lágrima
como se cada lágrima fosse um barco possível para regressar a ti
para te chamar ao meu corpo como as sirenes dos navios acordam
em estertor em dias de nevoeiro os portos perigosos das paixões
Tu que pouco sabes de ti e que de mim te apartas como se não fosses tu
como se houvesse viagens com retorno, como se fosse possível
terminar e determinar aquilo que é infinito porque não morreu
.

(...)

Será que entendes o enigma que sem saberes sou eu para ti?
Será que alguma vez leste na minha pele toda a evidência
ao ponto de te embriagares de quebrares muros resistências
análises trancas algemas receios talvez inúteis de brisas talvez fecundas?

Tu que te estatelas agora no céu de cada noite deserta
será que algum dia tornarás a ler o céu no chão?
Será que em alguma papelaria escondida na cidade
encontrarei um dia um mapa para te ler sem te sufocar?

Tu que me tropeças cada passo, será que tens ainda em ti
o único pulmão que já me fez respirar?


Vivo apenas uma praia oca. Nem areia tem.
A primeira duna é árida e semelhante à última.
Nada sei de mim. Mas sei quem tu és.
És a única pergunta que não formulei.
Será que ao menos sabes que eu não sei?

[Manuel Cintra]

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