Dia destes disse a um amigo com certa angústia, ‘não sei o que está acontecendo comigo’.
Mais tarde, solitariamente, admiti que não era bem verdade: sei bem o
que acontece – apenas tenho medo de dizê-lo em voz alta, como se colocar
finalmente em palavras aquilo que já sei e do que não posso fugir
exigisse uma valentia que por ora não me sinto capaz de ter. É como se o
dito, de súbito, tornasse o fato irrevogavelmente real e existente para
o mundo, portanto inegável, e me assusto com esta possibilidade, porque
ainda não sei para onde devo ou desejo ir. Muitas coisas acontecem ao
mesmo tempo e as idéias se me embaralham, estão todas desalinhadas e
rebeldes, estou confusa como há muito tempo não experimentava estar,
sinto-me perdida como uma criança abandonada sem aviso em uma casa de
doces, a meio caminho entre o êxtase e o desespero. Há em mim algo que
muito se alegra por estar vivendo uma coisa assim, sente-se presenteada
por este contentamento espantoso que há tanto tempo não experimentava,
enquanto uma outra parte quer esconder-se, poupar-se, proteger-se, teme a
esperança e sobretudo a entrega, que em última análise equivale à morte
– há sempre algo que deve morrer para dar lugar ao que quer recomeçar.
Mesmo dividida, contudo, esforço-me: em silêncio, concentrada como o
momento exige que esteja, dedico-me a fortalecer em mim a coragem e o
desejo pela transformação, mantenho a cabeça erguida tanto quanto posso e
não esmoreço, sigo em frente. Disto pelo menos eu sei: é para lá que eu
quero ir, adiante.
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