Ainda estou viva, mas já morri
muitas vezes. Morro a cada vez que o amor morre, e, por mais que eu lute, ele
está sempre morrendo dentro de mim. A cada morte, o mesmo ritual: o enterro bem
no fundo do peito, e começo a construir muros e torres com palavras ao redor do
coração para que ele não volte. Mas ele sempre volta. Por mais que eu pense,
por mais que eu fale, por mais que eu articule. Por mais que eu envelheça,
inteligente e culta, acreditando-me superior à ingenuidade do amor, ele sempre
volta.
Há vezes em que volta destruindo
tudo, uma avalanche de palavras outras, do outro, que se enfiam no meio das
minhas e arrancam sangue com cada letra separada. Em outros momentos, o amor
chega como uma brisa silenciosa e persistente, infiltrando-se nos pequeninos
espaços entre uma letra e outra, e quando dou por mim ele embaralhou-as todas,
e já não sei mais o que estou dizendo. Porque é essa a maior arma do amor: ele
me faz renascer em novas palavras inventadas a dois, palavras doces, palavras
vorazes, palavras belas, ou até mesmo palavras cruéis, não importa. Podem até
ser palavras feitas de silêncios, desenhos ou números. Sua força não está no
conteúdo, mas no modo como, ao escrevê-las, elas se inscrevem em mim.
Quando sinto aquelas novas
palavras tatuadas na pele e na alma, já sei: estou prestes a morrer mais uma
vez.
Do ótimo Confraria dos Trouxas
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